E a Vida Continua

sábado, 5 de janeiro de 2013

A Morte da Gata


As duas meninas, sete e nove anos, brincavam na calçada.
Nas proximidades, a gata rueira, impossível de ser contida nos limites da casa, como todos os felinos.
A bichana resolveu atravessar a rua.
Um automóvel aproximava-se, veloz.
Ela esgueirou-se, rápido.
Escapou por um triz, como sempre, valendo-se das “sete vidas” com que o imaginário popular brinda a agilidade dos felinos.
Certamente gastou a última, porquanto outro carro vinha em sentido contrário e a pobre foi colhida por rodas implacáveis.
Em segundos expirava, velada pelas meninas que choravam em desolação, traumatizadas com a violência presenciada, inconformadas com a perda de sua Juju.

***
– Papai, a Juju cumpriu um carma?
– Não, filhinha. Animais não têm dívidas a pagar. São conduzidos pelas forças da Natureza, sob orientação do instinto.
– Mamãe dizia que era uma criminosa, destruidora de cortinas e estofados!
– Não fazia por mal… Apenas afiava as garras, como todo felino.
– Podemos orar por ela?
– Certamente! Será como se lhe fizessem um carinho à distância.
– Quando morrermos, vamos encontrá-la?
– Talvez… As almas dos animais não costumam demorar-se no Além.
– Animal também reencarna?
– Sim. Faz parte de sua evolução.
– Gato pode reencarnar como cachorro?
– Sem dúvida, e também em outras espécies, em constante desenvolvimento, ao longo dos milênios.
– Que bom papai! A Juju poderá voltar como filha de nossa Baby!
***
Algum tempo depois, Baby, a cadelinha, despeja no mundo quatro filhotes.
As meninas encantam-se, particularmente com a menor.
– Veja, papai! Tem a mesma cor de nossa Juju e até os olhos puxadinhos. Deve ser ela!
– Pode ser, filhinha – sorriu o pai, condescendente.
Não seria caridoso contestar a animadora fantasia.
Afinal, não era impossível… Como devassar os meandros da evolução, a progressão das experiências, as espécies a que se liga o princípio espiritual, na longa jornada rumo à consciência?…
– Podemos ficar com ela?
– Se quiserem…
– Vai chamar-se Juju.
– Tudo bem.

***
Observando o entusiasmo das meninas, conjecturava o pai, com seus botões:
“Ah! Vida abençoada! Sempre a brotar, irresistível, plena de esperanças, sobrepondo-se à desolação da morte!”

Livro Para Rir e Refletir
http://www.richardsimonetti.com.br/artigos/exibir/89

Nenhum comentário:

Postar um comentário