E a Vida Continua

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Artigo - Kardec


UM OLHAR SOBRE KARDEC
Nadja do Couto Valle

I. Todo mês e todo dia celebramos Kardec quando estudamos a Doutrina Espírita, quando alargamos o descortino das compreensões mais dilatadas sobre os “comos” e os “porquês”, os motivos e conseqüências da vida e da morte, suas leis e fatos, forças e fenômenos, bem como os da natureza e dos sentimentos humanos; sobre o reconhecimento da Paternidade Divina e da comunhão universal de todos os seres; sobre a mediunidade. E quando praticamos a mediunidade – celebramos Kardec!
E o fazemos do modo como certamente mais agrada ao mestre de Lyon, sem alardes nem fanfarras, com disciplina e rigor metodológico, sinceridade de propósitos e desejo de servir e progredir, boa vontade e o cuidado de preservar a impessoalidade e a pureza doutrinária do Espiritismo.
II. A Tarefa
No entanto, devido ao zelo na busca dessa preservação, frequentemente Kardec é referido como sendo “apenas” o Codificador, “só” o Codificador. Mas um breve momento de reflexão nos informa que codificar é colocar sob um código, dispor, arrumar, grupar idéias afins; formatar, disciplinar idéias e procedimentos visando constituir um corpus teórico com a necessária garantia de coerência interna e externa. Isto será pouco?
A extensão e a natureza do material a ser codificado podem apresentar desafios adicionais à tarefa. No caso de Kardec, o material chegou-lhe de várias localidades do planeta, em muitos cadernos com apontamentos mediúnicos. Diante desse desafio, sua habilidade no trato de seis sistemas lingüísticos, e também a sua capacidade de organização lógica do pensamento e de identificar a essência de cada comunicaçao e de cada assunto, certamente muito o ajudaram a grupar aqueles apontamentos em grandes blocos de idéias e princípios.
Valeram-lhe também, por certo, sua formação erudita e vasta cultura geral, seu bem desenvolvido raciocínio filosófico (que é diferente de conhecerinformações sobre história da filosofia) e a capacidade inegável, encontrada em sua mais alta expressao entre os grandes professores como ele: a de perguntar. Mas de perguntar? Sim, a de perguntar. Muitas vezes, em Ciência e principalmente em Filosofia, isto é particularmente verdadeiro: mais vale uma boa pergunta do que uma boa resposta. É por isto que podemos ter a segurança inabalável de poder dizer que todas as nossas perguntas estão respondidas pelo Espiritismo. Porque Kardec foi capaz de fazer as perguntas certas, que esgotam todos os assuntos, que antecipam todas as conquistas nos vários campos do conhecimento e atuação do homem, que atendem à saudável curiosidade daquele que, em qualquer idade cronológica ou espiritual, quer aprender, esgotando os assuntos em suas nuanças e emprestando ao cotidiano humano na Terra a importância da grandeza das Leis Divinas, alçando-o, portanto, ao nível das importâncias transcendentais.
E, além disso, Kardec aliou a esse tipo superior de pergunta, que necessariamente não tem que vir sob forma interrogativa, a precisão da organização lógico-dedutiva, seqüência e dosagem no trato do conteúdo que tinha em mãos. Isto tudo sem violentar o próprio universo de cada área do conhecimento humano e preservando a clareza didática imprescindível a qualquer educador ou obra que pretende ensinar.
Tudo isto certamente não é pouco e já o torna o grande Codificador.
III. O Método
Mas há ainda uma outra característica extraordinária do grande Mestre de Lyon: o Método. Buscando analisá-lo, precisamos considerar o clima da segunda metade do século XIX, em que se respiravam grandes inovações nos vários campos do conhecimento humano: Biologia, Física, com destaque para a área da energia, Química, Astronomia, Matemática, Estatística, etc.
IV. Angulações na Abordagem ao Conhecimento
Por falar em conhecimento, há que se lembrar a discussão, pela Filosofia, sobre a origem, a natureza e a extensão do conhecimento ou das possibilidades de conhecimento.
4.1 – A origem do conhecimento está nos sentidos, na experiência, segundo o Empirismo, ou na razão, para o Racionalismo, enquanto que o Criticismo de Kant, para o qual convergem as duas vertentes anteriores, assume uma posição relativista quanto ao conhecimento: aceita o valor e a infalibilidade do conhecimento humano dentro dos limites da experiência, mas considera-o inadequado para transcender esses limites, que são o domínio da razão prática, com os imperativos categóricos a fundamentar esse campo que é o da moral.
4.2 – A natureza do conhecimento é definida pelo tipo de relação que se pode estabelecer com o que se quer conhecer, como exemplificam as chamadas ciências humanas e ciências físicas.
4.3 – A extensão do conhecimento diz respeito à possibilidade de podermos atingir o absoluto e a natureza íntima das coisas, inclusive Deus e a alma, como estatui o chamado dogmatismo de Platão e Hegel; ou se nosso conhecimento nos limita ao mundos dos fenômenos, como postulam o agnosticismo e o positivismo de Kant e Comte, não nos autorizando, portanto, a nos pronunciarmos sobre os problemas fundamentais da natureza da matéria, da essência e da imortalidade da alma humana, e da existência de Deus.
Mas, na esteira do tempo, desgastaram-se a vertente do Empirismo de John Locke, datado do século XVII, que postula que todo conhecimento provém dos sentidos, na linha aristotélica, e que possibilitou o Positivismo de Comte, e a vertente do Racionalismo, com destaque para Descartes, que postula que todo conhecimento provém da razão. Esgotadas as possibilidades investigatórias das duas correntes, de uma certa forma estavam paralisadas a Filosofia e a Ciência na Terra, até que o pensamento de Kant veio resolver a questão, conciliando criativamente esses dois caminhos.
Quanto à natureza do conhecimento, importa considerar uma espécie de “personalidade” de cada área de investigação, mas, no caso do século XIX, as chamadas ciências humanas foram desenvolvidas, de um modo geral, sob a ótica da psicologia social de Auguste Comte, que propunha o desenvolvimento delas regido pelo vezo ou angulação das ciências físicas, aplicando as leis destas àquelas, observados os experimentos de laboratório e de mensuração precisa.
Quanto à extensão do conhecimento, no universo intelectual dominado pelo Empirismo e pelo Positivismo, o limite era o da constatação no laboratório, ficando, portanto, fora de suas cogitações o que não pudesse ser suscetível de análise pelos equipamentos e procedimentos laboratoriais. Nesse âmbito incognoscível estariam a existência e a natureza de Deus, a natureza e a imortalidade da alma e a natureza da matéria. Não é a esfera do ateísmo que nega Deus, mas a do agnosticismo, que admite sua impossibilidade de penetrar o conhecimento de tais coisas, cuja natureza é diversa da de seus objetos e conhecimento do mundo físico. Contrapõe-se ao dogmatismo, com destaque para Platão, que postula que é possível conhecer a essência das coisas, inclusive Deus e a alma.
Todo o ambiente no qual Kardec estava mergulhado era de cunho, influência e domínio positivista, tendo sido ele próprio formado nesse ambiente que lhe forjara o rigor científico; mas este, na intimidade do Prof. Rivail, foi conciliado com as inspirações humanas do universo educacional de Pestalozzi.
V. O Desafio e a Solução
Kardec está diante de um grande dilema. Os fenômenos de mediunidade ostensiva, como os raps, mesas girantes e cestas falantes, do ponto de vista de sua origem, inscrevem-se no universo de investigação do Empirismo e do Positivismo. Mas sua natureza e extensão inscrevem-nos nas ciências do campo humano, do ponto de vista dos médiuns e, simultaneamente, n esfera do incognoscível – o campo do Espírito, portanto, transcendental.
O Prof. Rivail resolveu competente e consistentemente a questão, para cuja solução foram indispensáveis a inquestionável ousadia intelectual, a coragem da abordagem dialética, o inquebrantável caráter conciliador, a inabalável confiança na proposta de trabalho e no poder da razão – inaugurando o – apenas aparente – paradoxo da metodologia do que poderíamos chamar de “positivismo transcendental” ou “positivismo metafísico”, de que é exemplo máximo O Livro dos Médiuns.
Com isto, o Prof. Rivail resolveu também as questões historicamente exclusivas da esfera da fé, integrantes de correntes teológicas desgastadas e que não mais se sustentavam – e assim estatuiu intelectualmente a fé raciocinada. Ou seja, codificou na linguagem intelectual da filosofia e da ciência o recado espiritual de conciliação, de que tudo está em tudo. Pôs o constructo teórico do Empirismo e do Positivismo a serviço da metafísica, conciliando o que era tido como inconciliável. Uma tarefa de gigante.
Por isso não é de se estranhar que a formatação, a estrutura e o arcabouço formal da Codificação da Doutrina Espírita sejam positivistas com sua seqüência lógico-objetiva, perguntas encadeadas, esquemas, classificações, hierarquizações, exemplificação e correlação com a chamada realidade objetiva – enquanto que seu conteúdo é predominantemente de natureza transcendental, metafísica, como a existência de Deus e do Espírito, a imortalidade da alma, e a comunicabilidade entre os planos da vida.
Mas a coragem intelectual do Prof. Rivail/Kardec não para aí. Ele mobilizou os vastos recursos que como Espírito armazenou ao longo de encarnações, que ele certamente aproveitou como verdadeiras jóias, para ser também uma espécie de profeta, codificando as antecipações veladas ou não que os Orientadores Espirituais da Humanidade nos traziam. Em suas Notas preciosas, que ele acrescentou valorosamente às instruções desses Benfeitores Espirituais, Kardec sustentou, com linhas argumentativas de natureza filosófica e científica, todas as predições que o Espiritismo oferecia aos homens e que a ciência nada mais tem, feito senão corroborar, confirmar.
Deste ponto de vista, o Prof. Rivail/Kardec torna-se o profeta ou co-profeta na antecipação das conquistas que hoje vão estruturando, corporificando diante de nós, nos vários campos de atuação da humanidade.
Outros aspectos grandiosos da marca inconfundível do processo de Codificação da Doutrina Espírita podem também, e ainda, ser levantados e alinhados. Mas o que aqui dissemos não basta para que ele se erga como O Codificador, esteio encarnado para a consubstanciação da promessa de Jesus à Humanidade?

Fonte: O Reformador      
Retirado de: http://www.omensageiro.com.br/artigos/artigo-307.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário